2 de maio de 2010

Como segurar os meninos da Vila? Por Luis Álvaro Oliveira Ribeiro

Abaixo texto de Luis Álvaro Oliveira Ribeiro empresário e presidente do Santos Futebol Clube para o jornal Folha de S. Paulo

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O INTERLOCUTOR pode variar: do mais humilde santista ao presidente da República. Há três meses, quando o Santos renovou no torcedor a alegria de ver futebol, a pergunta a que sou submetido diariamente é a mesma: como manter os meninos da Vila e do Brasil?

A resposta depende de uma mistura improvável no futebol brasileiro: ousadia, criatividade e planejamento. De uma visão inovadora, que fuja do lugar-comum "se preciso pagar a conta no fim do mês, vendo um jogador e está tudo resolvido".

A receita que propomos já deu certo uma vez. Transformou em realidade o que parecia um sonho impossível para a torcida brasileira. Ao assumirmos, no fim de 2009, uma entidade com sérios problemas de fluxo de caixa, sabíamos que a missão de repatriar um ídolo como Robinho não seria fácil. Fomos ao mercado. Procuramos parceiros. Não desistimos no primeiro obstáculo. E montamos uma engenharia financeira que fez todos -atleta, empresas e, principalmente, o torcedor- sorrirem de orelha a orelha.

O mais experiente dos meninos da Vila fica conosco até o início de agosto. Mas, como repeti seguidas vezes quando era candidato, o Santos pode mais. E sinto que o Brasil inteiro quer que o Santos de fato possa mais.

Possa convencer o Manchester City de que o melhor para Robinho é permanecer aqui. Possa segurar Neymar, garoto de talento e irreverência raros. Possa manter a elegância de Paulo Henrique. Possa seguir revelando talentos como André e Wesley.

Mais do que isso: possa fazer com que o torcedor tenha de volta um futebol mágico, que deixa felizes até nossos maiores rivais, pela simples alegria de ver um bom espetáculo. Não por seis meses, mas pelo "maior tempo possível".

E pensamos que "o maior tempo possível" passa por uma profunda mudança no jeito de administrar o futebol. Passa pela transformação das empresas que hoje especulam e lucram com o futebol em verdadeiros investidores. A bandeira que o Santos levanta é básica, mas implantá-la será tarefa árdua.

Em qualquer ramo de atividade, do boteco da esquina às multinacionais, sócios arcam em conjunto com despesas e dividem resultados. No futebol, parece incrível, não é assim. O ônus do investimento, do pagamento de salários, encargos e tributos é 100% dos clubes.

Aqueles que se denominam "parceiros", que detêm pedaços de nossos artistas, entram na operação apenas na hora de recolher o lucro. Na venda dos atletas, recebem uma porcentagem do valor sem terem investido um real para mantê-los em atividade.

É essa distorção que pretendemos eliminar do futebol. Os clubes devem, sim, pagar salários e, em caso de merecimento, devem bancar parte do justo aumento. Mas não sozinhos.

Os sócios, os "parceiros", não podem se beneficiar da valorização do atleta sem que participem de seus insumos de produção. No modelo atual, os clubes arcam com todas as despesas. São barrigas de aluguel. Quando a criança fica forte, nutrida e educada, os "pais contratuais" aparecem para dividir o lucro. Não nos parece justo.

A mudança de paradigma fortalecerá os clubes e será fundamental para que se restabeleça um ciclo virtuoso, capaz de fazer a economia do esporte ter condições de manter nossos craques aqui. Agremiações com finanças mais equilibradas podem oferecer aos ídolos salários mais próximos ao padrão europeu.

Com dinheiro no bolso e estrutura para trabalhar, os atletas terão a opção de ficar no Brasil, atraindo empresas interessadas em investir e lucrar com a exposição gerada pelos craques, que proporcionam mais receitas para os clubes permanecerem economicamente saudáveis.

É uma batalha que depende não apenas do Santos, mas de todos os "players" do futebol, reféns de um modelo que remonta ao extrativismo arcaico e colonial ao qual o Brasil foi submetido. Tudo tirar sem nada investir, sem nada devolver.

Convido todos os clubes a participar, ao lado do Santos, desta nova revolução. Quem sabe, mudamos o quadro de ceticismo e possamos dar a seguinte resposta: "Os meninos do Brasil não precisam ir embora. Podem ficar até quando quiserem. Porque nossos clubes, nossa economia e nosso país são fortes o bastante para criar receitas, enfrentar a sedução de agentes e times europeus e manter em nossos gramados aqueles brasileiros que enchem nossos corações de alegria e dão forma real ao sentimento de que somos, de fato, o país do futebol".

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